A Química da Antiguidade aos Dias de Hoje

Dificilmente se pode dizer que a química, como ciência, tenha se iniciado antes do século XVI. Foi nessa época que se começou a distinguir o estudo das substâncias individuais e suas transformações sob a influência do calor, dos solventes ou reagentes, das outras transformações que ocorrem na natureza. Foi nessa época que surgiu a idéia de que tais transformações podiam ser consideradas como um assunto de estudo especial, como o comportamento das estrelas, a natureza dos números e as doenças do organismo humano.

Entretanto, isto não significa que a química não tenha uma história anterior a essa época. Na verdade, em seus ramos tecnológicos, a química remonta aos tempos pré-históricos. A descoberta do fogo oferece a primeira oportunidade para se realizarem operações químicas e o homem primitivo aprendeu, com seu auxílio, a preparar objetos de cobre, bronze e outros materiais acessíveis. Não existe desse período nenhum registro escrito. Somente pela análise das armas e dos utensílios feitos pelo homem primitivo se pode obter uma idéia dos métodos e materiais por ele utilizados.

Poder-se-ia supor que a introdução da escrita teria preservado de forma mais definida descrições e processos químicos. Tais descrições existem, mas é claro que seus autores não consideravam esses processos como hoje seriam considerados. À medida que a civilização se desenvolvia, com a descoberta e aperfeiçoamento do artesanato, várias substâncias químicas eram empregadas, mas o interesse sempre residia no produto final e no seu uso. Os artesãos conheciam o método de obtenção de um produto, mas, com um instinto que parece ser inato no ser humano, a maioria desses artesãos preservava o segredo para seus descendentes. Por conseguinte, nosso conhecimento a respeito de seus métodos depende também da análise dos objetos feitos e usados nas civilizações antigas. Tudo que conhecemos sobre esse assunto indica que a química, sob este aspecto, é tão antiga quanto o homem; indica também que, nos tempos pré-históricos e nas civilizações primitivas, a química era puramente empírica e não podia ser considerada como uma ciência.

No esforço de entender o mundo que o cercava e as forças que agiam sobre ele, o homem inventou os deuses e os demônios. Cada objeto, animado ou inanimado, era governado por um determinado ser e estes seres influenciavam o comportamento dos homens e das coisas. Surgiu assim nos grupamentos humanos um certo número de homens cuja função era a de estudar a natureza desses seres sobrenaturais e, se possível, controlá-los. Assim surgiram os feiticeiros, os curandeiros e, mais tarde, os monges. Com o avanço da civilização, a classe dos monges gradualmente se separou e se especializou. Seus membros dispunham de todo o tempo para pensar, organizar e sistematizar os mitos e, eventualmente, estabelecer versões das lendas. Naturalmente, esses mitos e lendas, em sua forma final, tinham que ser suficientemente plausíveis, no sentido de permitir uma resposta às questões básicas que ocorriam a cada um: qual a origem do mundo? de onde proveio o homem? o que são essas grandes forças que nos circundam, o sol, a lua, a tempestade, o mar?

Em todas as civilizações que conhecemos, as respostas a estas questões estão entremeadas com mitos de deuses e heróis. Na história das diferentes mitologias existe algo em comum, que, em alguns casos, são simples cópias que passam de uma a outra mas, em outros, representam métodos fundamentais do pensamento humano. Tais idéias passaram de geração a geração e formaram a base do pensamento da época. Com o desenvolvimento das tecnologias e das filosofias, algumas destas idéias foram adaptadas e usadas de modo cada vez mais envolvente a fim de explicar a natureza do mundo visível. Elas formam a base da ciência primitiva, se considerarmos a ciência como um sistema de observação e explicação da natureza. A ciência primitiva não foi além desse estágio. Nenhuma tentativa se fez para verificar as idéias por meio de experimentos. Este estágio de desenvolvimento só foi alcançado em tempos relativamente modernos. No entanto, foi dessa ciência primitiva e fundamental que as ciências modernas derivaram.

As primeiras ciências que se desenvolveram foram a astronomia e a matemática. A astronomia surgiu naturalmente mais cedo pois a regularidade dos movimentos dos astros deve ter impressionado mesmo o homem mais primitivo e sugerido um sentido de ordem.
As idéias astrológicas, que adquiriram grande importância na cultura mesopotâmica, espalharam-se desse centro para todo o mundo civilizado e conduziram ao estudo intensivo das estrelas. Assim, a astronomia como ciência, existiu desde eras muito antigas. A matemática surgiu da necessidade de medidas e cálculos práticos e quando, como aconteceu especialmente na Grécia, ela se expandiu numa ciência, onde nenhum trabalho manual era necessário, enquadrou-se no sistema de raciocínio puro, tão característico da ciência grega.

A ciência moderna floresceu no Ocidente, particularmente na Europa Ocidental. O desenvolvimento da ciência moderna pode ser traçado a partir de duas civilizações: a da Mesopotâmia e a do Egito. Destas, pode ser seguido através da Grécia, Síria e Arábia à Europa Medieval e à época atual. Isto não significa que as idéias e métodos científicos de outras civilizações, como as da índia ou China, não tiveram influência. Elas forneceram suas contribuições como correntes laterais.

A química sempre consistiu de duas partes, uma prática ou tecnológica, e outra teórica. Em algumas épocas e alternadamente, um destes ramos se tornou preponderante; em alguns períodos especiais, ambos floresceram juntos. A história da química mostra que, quando esta última condição prevaleceu, resultaram os maiores avanços.
O estudo da história da química nos seus estágios primitivos resolve-se, assim, de um lado, na consideração do desenvolvimento prático dos artesãos e, de outro lado, na especulação dos filósofos. Para estudar suas origens, torna-se pois necessário acompanhar as atividades dos que trabalhavam com metais, vidros, corantes e outras substâncias e seguir as idéias dos cosmólogos e filósofos, os primitivos cientistas. Eventualmente, as duas correntes se unem para produzir uma verdadeira ciência, um misto de teoria e experiência, que se denominou alquimia. Esta degenerou numa pseudo-ciência em vários lugares e sob várias condições, mas o fio vermelho de uma verdadeira química era sempre visível e pode ser acompanhado até onde se revela novamente numa ciência genuína.

Os primeiros traços daquilo que, com o decorrer da história, passou a constituir o que chamamos química, parecem ter sua origem na Mesopotâmia e no Egito. Os antigos babilônios consideravam o mundo como originado da água. Uma vez criado o mundo, a partir da água, um mundo organizado, tornou-se evidente o número de fatores contrários que ele contém: dia e noite, luz e escuridão, macho e fêmea, quente e frio, seco e úmido. No plano moral, o bem e o mal. Formou-se, assim, a idéia de que, para cada qualidade, existia um fator contrário ou oposto. A água, substância primordial, se subdividia em duas substâncias contrárias, cada uma em outras duas e assim por diante. Esta idéia, um dos conceitos mais fundamentais do pensamento mesopotâmico e egípcio, tendeu a se tornar personificada em suas mitologias. Um deus e uma deusa personificavam a luz e a escuridão ou o Sol e a Lua. Na Babilônia eram o deus Bel e à deusa Ishtar e no Egito, Osiris e Isis. Não se sabe, com certeza, se a personificação desses princípios contrários se originou, independentemente, nessas duas civilizações. Sabe-se, porém, que no segundo milênio A.C., a comunicação entre a Mesopotâmia e o Egito se havia estabelecido através da Síria e a língua dos babilônios se tornara a língua oficial da diplomacia em todas as nações da Ásia Menor e da costa do Mediterrâneo. O intercâmbio de idéias entre as duas civilizações se tornou ativo.

Uma vez concebidos os fatores contrários, surgiu, como necessidade instintiva, imaginar algo situado entre eles. Se existe o positivo e o negativo, deve existir o neutro. Assim surgiu o número místico três, que se reflete mais tarde na escola filosófica de Pitágoras e no desenvolvimento da Numerologia, que cuidava dos mistérios dos números.

Os babilônios eram grandes observadores das estrelas; desenvolveram a idéia de que os corpos celestes eram controlados pelos deuses que, por sua vez, influenciavam a vida dos homens. Daí o conceito de que o Sol, a Lua e os planetas governam os acontecimentos sobre a Terra. Nascia a ciência da astrologia, levada ao extremo pelos babilônios e assírios: nenhuma atividade de certa importância poderia ser iniciada sem prévia consulta às estrelas. Assim surgiram os horóscopos.


Desses conceitos surgiu a idéia de que os corpos celestes controlam os objetos na Terra, incluindo os metais. Assim, o Sol, que representava o poder mais forte e brilhante, controlava o mais nobre dos metais, o ouro. A Lua controlava a prata e os planetas os outros metais. Estas idéias se refletem, mais tarde, no período inicial da alquimia.

As principais contribuições dos babilônios à química foram de natureza astrológica. Essas idéias se transmitiram ao Egito, mas não tiveram aí a mesma importância. A cosmologia egípcia é essencialmente mitológica, mas o pensamento egípcio tendeu para uma forma eminentemente prática. Assim, foram as artes práticas a maior contribuição dos egípcios para o desenvolvimento da química.

As correntes do pensamento cosmológico e das idéias filosóficas das duas grandes civilizações da antiguidade, influenciando-se mutuamente durante cerca de dois mil anos, acabaram convergindo numa nova nação – a Grécia – onde a curiosidade intelectual e o pensamento especulativo iriam criar os fundamentos sobre os quais se baseou o desenvolvimento posterior da ciência.

O cientista grego, pelo menos no período clássico, era o filósofo grego. A fórmula de seu pensamento era a especulação, não a experiência. As idéias eram elaboradas não em termos de deuses e forças sobrenaturais, mas em termos de lógica.

A principal característica, que os distingue dos cientistas modernos, que também raciocinam de maneira lógica e deduzem suas idéias da observação, era a tendência de generalizar sem dados suficientes. Para o cientista moderno, a coisa mais natural é verificar as suas deduções pelos experimentos, o que os filósofos gregos não faziam. A própria sociedade em que viviam dificultava esse procedimento. Os filósofos eram membros de um pequeno grupo de elite, os cidadãos livres. As glórias da Grécia originaram-se deste pequeno grupo, mas é preciso não esquecer que este grupo nunca poderia ter feito as contribuições que fez não fosse o trabalho de um grupo muito maior – o dos escravos que permitia à sociedade viver. O trabalho com as mãos era para o escravo; o trabalho com a mente, para o cidadão livre. Os experimentos teriam sido trabalho com as mãos. Assim, o filósofo especulava, desenvolvia vastas cosmologias, elaboradas com a lógica mais exata, mas nunca lhe ocorreu realizar um trabalho experimental.

A importância da especulação filosófica grega para a ciência moderna, poderia parecer pequena se esta atitude fosse considerada em si mesma. Entretanto, isto não é verdadeiro. Os pensadores gregos estabeleceram generalizações nas quais se encontram as raízes de vários de nossos conceitos modernos e, o que é ainda mais importante; adquiriram uma autoridade reconhecida durante os dois mil anos seguintes. Suas idéias foram a base da ciência alexandrina, medieval e do renascimento.

No campo da matemática, uma ciência que não requer experimentos, os temas por eles desenvolvidos são, em geral, válidos. Nas ciências físicas e biológicas isto é menos verdadeiro. Contudo, suas teorias formam a base do desenvolvimento intelectual do homem ocidental. Suas explicações da Natureza (physis) afetaram a alquimia e a química.

A filosofia grega e, por conseguinte, a ciência grega, tiveram seu início na Iônia, na cidade de Mileto, no século VI A.C.. Geograficamente, a Iônia encontra-se na extremidade ocidental da Ásia Menor, em contato direto com a Babilônia e o Egito. Foi do encontro entre o pensamento oriental antigo e a mente nova dos gregos que se originou a filosofia grega.

O primeiro filósofo, cujo nome, chegou até nós (mas não seus escritos), foi Thales (ca. 624-548 ou 545 A.C.). Tudo o que existe pode ser considerado como uma única realidade, que aparece sob diversas formas. Esta realidade, ele a concebeu como sendo a água. Os babilônios já haviam admitido que a água era a origem do cosmos, mas este conceito era mitológico. Thales explica suas idéias em termos mais físicos: a água pode se converter em ar (evaporação) e pode ser congelada num sólido. Pode assim ser a origem de todas as coisas. Assim, a tentativa de se explicar o mundo que nos cerca em termos puramente físicos tornou-se a principal característica da escola iônica.

Anaximandro (ca. 610-545 A.C.), discípulo de Thales, generalizou o conceito da fonte primordial. Para ele, a origem de todas as coisas era o apeiron, o indefinido e o infinito. Os mundos que se originam do apeiron são constituídos de calor e frio. O conceito dos fatores contrários, tão característico da ciência primitiva, foi introduzido na explicação cosmológica do mundo.

Anaxímenes (528-525 A.C.), que faleceu na 63ª Olimpíada, discípulo de Anaximandro, aboliu o conceito vago do apeiron e considerou o ar como a matéria primordial. Num processo reversível de rarefação ou condensação, a partir do ar, formava-se o fogo ou a água. Esta podia se converter em terra, que formava as rochas. Nas suas idéias, encontra-se um esboço do conceito dos estados da matéria: gás, líquido e sólido.

Em 494 A.C., Mileto foi capturada pelos Persas e a escola iônica de filosofia espalhou-se para o ocidente. Na Sicília, surgiu a escola de Pitágoras, cuja contribuição para o desenvolvimento da Química foi quase nula.
 Heráclito (ca. 576 – ca. 480 A.C.) continuou o desenvolvimento da escola iônica e escolheu o fogo como a origem de todas as coisas. O fogo se condensa em água e esta em terra, processo que designou como caminho descendente. O processo inverso, o da formação do fogo a partir da terra, passando pela água, foi designado como o caminho ascendente. Criou a física dos fatores contrários: noite-dia, verão-inverno, frio-quente, úmido-seco. Os fatores opostos constituem o cosmos (macrocosmos). O mesmo conjunto de fatores contrários e a mesma transformação contínua ocorrem no microcosmos.

Anaxágoras de Klazomenae (500-428 A.C.), o último filósofo da escola iônica, admitiu a existência de um número infinito de partículas minúsculas, as sementes, que não podiam ser criadas nem destruídas. As transformações que ocorrem no mundo, provêm da mistura e separação dessas sementes. As sementes não eram átomos (no sentido moderno) pois continham minúsculas porções de tudo que existe no mundo visível, em quantidades variáveis.

Empédocles, de Agrigentum, na Sicília (484-424 A.C.), contemporâneo de Anaxágoras, elaborou as antigas idéias sobre o fogo, a água e a terra (gás, líquido e sólido) num sistema mais preciso, acrescentando o ar. Sua filosofia, fortemente materialista, levou-o a admitir a existência de átomos, não no espírito de Anaxágoras, mas de apenas quatro tipos diferentes; surgiu assim a idéia dos quatro elementos, dos quais se compõem todos os objetos visíveis. Introduziu ainda dois componentes, o amor e o ódio, no sentido materialista: o amor atrai os elementos, o ódio os separa (idéia da afinidade química).

Empédocles é famoso pela prova que deu, por meios físicos e não por argumentos intelectuais, de que o ar é um corpo material. Seu experimento, um dos poucos de que se tem notícia dos tempos clássicos, é importante porque mostra o início do desejo da observação direta. Não é, na verdade, um experimento no sentido moderno, pois não procurava verificar uma teoria. Tratava-se apenas de uma demonstração para confirmar uma idéia já estabelecida por um processo de raciocínio.

A teoria atômica atinge o seu ponto culminante, na época dos gregos com Leucipo, do qual quase nada se conhece e seu discípulo Demócrito (ca. 460 – ca. 370 A.C.). Pela primeira vez, uma verdadeira teoria cinética dos átomos foi expressa. O movimento dos átomos já havia sido admitido por Anaxágoras e Empédocles, mas não se tinha ainda nenhuma idéia sobre o meio onde o movimento ocorre. Na teoria de Demócrito, a idéia de um vazio, ou vácuo, é positivamente expressa. Os átomos apresentam tamanho e forma, o que explica muitas das propriedades dos corpos. A teoria de Demócrito era a mais materialista das teorias até então desenvolvidas.

Parece que, na época, os espíritos não estavam preparados para aceitar uma concepção materialista do cosmos. O deslocamento desta linha de pensamento se dá na escola da Sicília com os discípulos de Pitágoras, cujas idéias se encontravam mais na esfera moral. A reação contra o extremo materialismo alcançou seu ponto máximo em Sócrates (ca. 470-399 A.C.): não tendo encontrado satisfação nas teorias da escola iônica, Sócrates se volta em busca de um ideal de perfeição para o homem e não para a natureza. Sócrates transmitiu esta maneira de ver a seu discípulo Platão (ca. 428-349 A.C.). É em Platão que encontramos no mais alto grau o desvio das cosmologias científicas e a tentativa de realizar o ideal por processos puramente intelectuais. Segundo, ele, todas as coisas eram combinadas pela Inteligência Divina, para formar o melhor dos mundos possíveis. Platão admitiu os quatro elementos de Empédocles, mas deu a seus átomos formas geométricas. Estas formas são inter-conversíveis e explicam as propriedades físicas dos corpos. Os elementos de Platão nada tem a ver com a noção moderna de elemento químico, mas as suas explicações sobre transformações que se dão entre eles foram de grande importância na Alquimia, que se desenvolveu mais tarde. O ouro era o mais perfeito dos metais. Os metais por se fundirem, foram denominados águas.

Aristóteles (384-433 A.C.), discípulo de Platão, elaborou as idéias que iriam influenciar os pensadores das futuras gerações por cerca de dois mil anos. Concebeu um grande número de teorias, consistentes entre si, para explicar a natureza de modo mais detalhado do que qualquer um de seus predecessores. Era dotado de um espírito mais prático e, de certo modo, mais científico, do que Platão.

Segundo Aristóteles, a base de todas as coisas é a matéria primitiva (proto hyle), que contém as qualidades específicas que caracterizam uma substância individual. Se a matéria primitiva é a base de todas as coisas, não pode existir vácuo, como postulado por Demócrito. Aceitou a idéia dos quatro elementos e, para explicar a sua existência, admitiu a mediação de um conjunto de qualidades: calor, frio, seco e úmido. O primeiro par (calor e frio) são as qualidades ativas segundo (seco e úmido) as passivas.

Na sua obra De Generatio et Corruptio, Livro II, cap. 2, esta idéia vem assim exposta: As qualidades elementares são quatro e qualquer grupo de quatro termos pode ser combinado em seis pares. Os termos contrários, entretanto, recusam-se a um acoplamento; pois é impossível para uma mesma coisa ser quente e fria ou úmida e seca. Por conseguinte, é evidente que os acoplamentos das qualidades elementares serão quatro: quente e seco e, úmido e quente, e ainda, frio e seco e frio e úmido, e estes quatro pares se ligam aos corpos aparentemente simples (fogo, ar, água e terra) de acordo com a teoria. Pois o fogo é quente e seco, enquanto o ar é quente e úmido (o ar sendo uma espécie de vapor aquoso) e, a água é fria e úmida, enquanto a terra é fria e seca. Assim, as diferenças se distribuem razoavelmente entre os corpos primários e o número destes concorda com a teoria.
A estes quatro elementos que constituem a matéria terrestre, Aristóteles adicionou um quinto elemento, ou essência, a quintessência, que não participava dos movimentos ascendentes ou descendentes (rarefaço condensação) dos elementos terrestres. Este éter foi uma extensão da idéia de Heráclito, ao tomar o fogo como o quarto elemento. O éter tinha um movimento circular (forma mais perfeita) e constituía os corpos celestes.

Os elementos de Aristóteles não são os elementos no sentido atual, mas meras combinações de qualidades. Além disso, essas qualidades podiam variar em qualquer grau, de modo que era possível transformar um elemento num outro. Assim, para converter o ar em água, era apenas necessário que o calor fosse sobrepujado pelo frio, pois o úmido era comum a ambos.

A combinação das qualidades para produzir os elementos era o primeiro grau da combinação. Contudo, os elementos podiam combinar-se em qualquer proporção para produzir a homoiomeria, o que corresponde às sementes de Anaxágoras. Estas eram as partículas que constituíam os corpos, como o sangue, a pedra e a carne. Estas, por sua vez, se combinavam para produzir a anhomoiomeria, as faces, as mãos e assim por diante. É a combinação dos elementos que é particularmente importante para a história da química pois, por meio de tais combinações, Aristóteles explicava todos os fatos químicos que lhe eram conhecidos.

Aristóteles distinguiu três tipos de combinação: synthesis, que corresponde a nossa idéia de uma mistura mecânica; mixis, a combinação de corpos sólidos para produzir um novo corpo; e krasis, a combinação análoga de líquidos. Os novos corpos, assim produzidos, eram absolutamente uniformes na composição e não deixavam traço algum dos componentes originais. Na verdade, os produtos do mixis e do krasis se aproximam da idéia atual sobre as ligas. A idéia da combinação química, no sistema de Aristóteles, ainda se percebe no início do século XIX nas teorias de Berthollet.

Para Aristóteles, a individualidade de uma substância se perde completamente quando ela se combina e o produto resultante é algo inteiramente novo, se bem que possa mostrar qualidades que resultam dos componentes.

O quarto livro da Meteorológica de Aristóteles tem sido considerado como o primeiro tratado de química, pois tenta explicar uma multidão de fatos em termos da teoria aristotélica.

Para descobrir a origem dos conceitos químicos, pareceu-nos interessante examinar o período da antiguidade, quando a química não era reconhecida como uma ciência. Vários historiadores da química, especialmente no século passado, eram de opinião de que, somente após a época de Boyle e a de Lavoisier, a química possuía uma história verdadeira. Esta idéia foi, nos últimos decênios, profundamente alterada. O germe de várias teorias modernas encontra-se no pensamento antigo.